Jornal da Cidade

Fábula: Os cavalos e o burro

Desde muito cedo que o burro observava como os cavalos eram admirados, enquanto trabalhava incansavelmente. Os cavalos corriam livres pelos campos, com as crinas ao vento, sem fardos, bem alimentados, limpos, respeitados. Todas as noites, enquanto tentava descansar no chão frio, com o corpo dorido, observava-os a dormirem em camas macias de palha, brilhantes e bonitas. “Se eu fosse como eles, a minha vida seria melhor”, pensava continuamente o burro. Este pensamento acompanhou-o durante tantos anos que, um dia, tomou uma decisão: deixar de ser burro. A partir daí, não carregou mais nenhum saco. Caminhava graciosamente, imitava o andar dos cavalos, tentava relinchar em vez de zurrar. Evitava sujar-se, mantinha-se limpo. Se quisesse ser tratado como um cavalo, teria de agir como tal.

Mas os outros não fizeram mais nada senão rir-se dele:
—Olha ele! — disseram — Ele pensa que é um de nós. Mas só é mesmo um burro.
Ele ignorou as provocações. Tinha a certeza de que o seu mestre iria reparar… e tratá-lo como um cavalo.
E de facto o agricultor percebeu isso. Mas não da forma que o burro esperava.
O agricultor deixou de chamá-lo para trabalhar. Não lhe deu mais ordens. Pela primeira vez, não teve de fazer nada.
O burro sorriu: — Consegui! — pensou ele — Já não sou um burro de carga! Agora sou como os cavalos!
Sonhava correr livre, com a crina ao vento, galopando sob o sol.
Mas os dias passaram e ninguém lhe deu nada para comer.
No início não estava preocupado: “Será parte da mudança… em breve levar-me-ão para o estábulo dos cavalos.”
Mas a fome chegou. O corpo cedeu, as pernas tremeram, o estômago roncou.
Aproximou-se dos cavalos, esperando partilhar a sua comida. Mas eles olharam-no friamente:
— Isto é para os cavalos. Você não é um de nós.
O burro recuou, ferido.
“Mas… eu já não sou um burro”, pensou. “Eu nem sequer sou um cavalo… então o que é que sou?”
Tentou regressar ao seu antigo cercado, mas um outro burro já estava lá a ocupar o seu lugar.
Tentou oferecer-se para carregar sacos, mas nessa altura já não tinha forças.
Pela primeira vez, já não pertencia a lado nenhum.
Foi então que o agricultor se aproximou com uma corda:
— Não me posso dar ao luxo de manter aqui um burro que não trabalha, disse com voz áspera.
O burro tentou escapar, mas estava muito fraco. Olhou para os cavalos, esperando ajuda. Ninguém se mexeu.
Amarraram-no e levaram-no embora.
No caminho, o burro virou-se uma última vez. Os cavalos observavam-no de longe, em silêncio.
Foi nesse momento que compreendeu a verdade mais dura:
«Nunca fui um deles. Eu nunca serei. E agora… já não sou nada.”
Fechou os olhos com força e, com a pouca voz que lhe restava, gritou:
— Quero voltar a ser um burro! Eu quero trabalhar! Quero retomar a minha vida!
Mas aí já era tarde demais.
Moral da história:
Por vezes pensamos que a vida das outras pessoas é melhor, mais bonita, mais fácil. Admiramo-los e desejamos ser como eles, sem sabermos realmente o que o seu caminho implica.
Nesta busca cega pelo que não somos, deixamos de valorizar o que realmente somos: a nossa essência.
O burro não era inferior aos cavalos. O seu trabalho, embora árduo, deu significado, propósito e identidade à sua vida.
Mas ao desistir de si mesmo, perdeu o seu lugar no mundo. Tentou pertencer a um lugar onde não era aceite… e acabou sem abrigo, sem emprego, sem dignidade.
Nunca tente ser o que você não é.
Avalie quem é.
Porque o que hoje considera pouco, pode ser tudo para outra pessoa.
Não sacrifique a sua essência pela aceitação dos outros.
O preço pode ser a sua própria existência.