Jornal da Cidade

O que está ruim pode piorar

Na última semana, duas péssimas notícias: O projeto de lei da devastação e a unificação das eleições.
A maré não está para otimistas. Nem os mais cabeçudos, como eu, acreditam mais em bonança depois da tempestade. Com um agravante: O que está ruim sempre pode piorar. Lá fora e por aqui.
Não bastassem as intempéries externas – o insano extermínio dos palestinos, a guerra de Putin na Ucrânia ou os desmandos do maluco laranja – temos sido inundados por devaneios do Congresso Nacional que, somados às derrapadas do Supremo e a incompetência governamental, acabam por afogar possibilidades de dias melhores. Provas disso são a aprovação do “PL da devastação” e a proposta disfuncional de unificação das eleições em curso no Senado.
Montados nos bilhões (sim, bilhões) das emendas parlamentares – parte significativa delas na modalidade pix e, ainda sigilosas, suas excelências na Câmara e no Senado mantém o presidente Lula (e quem vier após ele), sob rédeas curtas. Ocupam ministérios sem dar apoio ao governo, aprovam o que querem quando querem e do jeito que querem, com número e força para derrubar eventuais vetos.
Será assim, por exemplo, com a Lei Geral de Licenciamento Ambiental, aprovada no Senado na semana passada, que escancara a porteira para todo tipo de boiada (Lembram de Ricardo Salles?), garimpo ilegal e desmatamento. De uma vez só, a proposta, que ainda deverá ser submetida as benesses da Câmara, destrói anos de luta preservacionista, fazendo o Brasil voltar a décadas no marco ambiental a poucos meses da realização da COP 30 no Pará. Um desastre. E, se Lula vetar, mesmo parcialmente, derruba-se o veto.
Não por acaso, o Senado reavivou a unificação dos pleitos eleitorais, aprovando na Comissão de Constituição e Justiça uma proposta de emenda constitucional que proíbe reeleição e fixa mandados de cinco anos para todos os cargos eletivos, com um único dia para o eleitor ir às urnas. Fora de hora e da casinha, visto que o país tem inúmeras outras urgências, a proposta do senador Jorge Kajuru (Podemos-SP) é quase idêntica à do ex-deputado Ernandes Amorim (PTB-RO), apresentada em 2009 na Câmara, que abriga mais de 10 projetos quase com o mesmo teor.
Cabe questionar os motivos da volta do tema à pauta, quando não há qualquer clamor em torno dele. Talvez seja por pura falta de ideologia. Por um lado, discutir reeleição e duração de mandatos pode funcionar como cortina de fumaça. Tanto para o governo, espremido pela impopularidade e acuado pela hipótese de uma CPMI sobre os desvios do INSS, quanto para os congressistas, na mira pela farra das emendas e de tretas apuradas pela Polícia Federal, algumas delas já na agenda do Supremo. Por outro lado, vale a máxima “quem está no poder quer mantê-lo” e, embora a justificativa da PEC seja a alternância na representação, o objetivo maior é perpetuar o poder do político ou de seu grupo.
Ao unificar as eleições e estabelecer mandato de cinco anos, confundem-se as atribuições dos diferentes níveis de governo, que já não são claras para boa parte das pessoas, criando-se um vácuo de tempo ainda maior entre a promessa e as entregas do representante eleito. Junta-se, em um só tempo, as funções de um senador – alguém sabe quais são elas? – de deputado federal, estadual e de vereador.
Os candidatos a presidente, com demandas nacionais e propaganda mais intensa que hoje já relegam a postulantes aos governos estaduais ao segundo plano, roubariam o protagonismo que os pretendentes a prefeito detêm em eleições isoladas. Imaginem como seria o horário eleitoral de rádio e TV em uma eleição unificada? Soma-se à confusão a lista de 9 nomes que o eleitor terá que levar para a cabine de votação.
Mesmo a proposta de fim da reeleição tem lá suas falsas condições: Os que a defendem dizem que no modelo atual o presidente em exercício usa o cargo para se reeleger. Como se assim não fosse para eleger seu sucessor. Vale lembrar que, em tempos sem reeleição, o ex-governador de São Paulo, Orestes Quércia, cravou a máxima: “Quebrei o Estado, mas elegi meu sucessor”. Ou, mais recentemente, o esforço de Lula para fazer vencedora sua pupila Dilma Rousseff.
Seria hilário se não fosse triste ver a PEC ser defendida sob o argumento de economia em um país cujo fundo eleitoral bateu nos estratosféricos 5 bilhões no ano passado. Não está errado não. 5 bi… Do bom e suado dinheirinho dos brasileiros. Um custo que não muda com a unificação do pleito.
O mais grave, porém, é os parlamentares – que são frutos do voto – defenderem a redução da frequência da ida às urnas, momento insubstituível de diálogo com o eleitor, no qual ele escolhe, aprova ou rejeita representantes. Tivessem algum outro interesse para além de seus umbigos, discutiriam sistemas de governo, voto facultativo, mecanismos de controle popular, plebiscitos.
Não é traição ao exercício do otimismo, mas diante do bate cabeças do Executivo, escorregões do Judiciário e de um Parlamento que se recusa a aprimorar a democracia, está cada vez mais difícil enxergar a bonança.