Os pequenos nos ensinam
Na melhor que reclinar no sofá, ficar olhando para o nada e, como não há nada a fazer, nada o que pensar. Quando fazemos isso, ouvimos os passos miúdos vindos em nossa direção e, do nada, surge um serzinho que se atira sobre a gente, nos cheira obsessivamente, reclina-se ao nosso colo e acomoda seu queixo sobre o braço da poltrona. Essa era Pipoca. Apenas o nosso cão. Quando a pegamos, ainda filhotinho, havia uma ninhada. A que mais nos cativou tinha a calda cortada, provavelmente pelo primeiro tutor. Queríamos todos, mas, por certo, não tinha como. Aí, uma delas, toda branquinha, com algumas manchas marrons, veio em nossa direção. Estava sentada sobre seus calcanhares, se aproximou e pôs-se a lamber nossa mão. Seus olhos cintilavam. “É essa! É essa! Ela nos escolheu. E sentenciou: “Você vai se chamar Pipoca”. Tinha tudo a ver: Pulava, era branquinha, não parava quieta. As travessuras e estripulias que essa doguinha aprontava desde que chegou não estavam no gibi. Se fosse conta-las, uma por uma, essa crônica não terminaria tão cedo. Era tocante quando chegava em casa. Podia ser uma viagem de dias ou apenas a trabalho, por poucas horas. Lá vinha ela, latindo, correndo de um lado para o outro, anunciando para todos que o seu amigo havia retornado. Vê-lo deitado, próximo ao portão de entrada, vendo o movimento da rua, não tinha preço. Às vezes, em posição de guarda, com o olhar desperto, velando nosso sono, com o focinho enfiando no sofá, de forma insana, palestrando com seus latidos, era impagável. Vê-la ao nosso pé, enquanto verificava o celular, era tocante. Com o semblante solícito, ao pedir uma fruta ou uma comida qualquer, era inesquecível. Ser consolada por ela quando estávamos tristes, era indescritível. O cachorro sabe quando seu tutor não está bem e tenta, de todas as formas, consolá-lo. É estranho dizer, mas os cães, com seu jeito peludo de ser, nos humanizam, justamente por não serem humanos. Era assim que ela fazia. Era assim que ela é. Um dia, sentiremos sua falta, a casa ficará silente. Não ouviremos mais os seus passinhos, nem seus efusivos latidos com nossa chegada. Não teremos mais a presença do calor canino de sua amizade. Ela partirá e, ao partir, algo dentro de nós se partirá. Sua amabilidade e lealdade canina ficará sempre conosco, nos lembrando da doçura que, muitas e muitas vezes, nos falta aos borbotões. A substituiremos, é claro, mas será outro ser, terá outras formas de nos encantar e nos amar. Um cão jamais igual a outro. São seres especiais, uns mais, outros menos. Em comum, apenas o amor, a lealdade, a confiança, o rabo nos saudando.