Festa de São João: 96 anos de tradição em Sertanópolis.
Colaboração de Luiz Augusto de Souza Loredo.
Festa junina, ultimamente, tornou-se sinônimo de comida e música, gente fantasiada de caipira, milho verde e bebida. Mas nem sempre foi assim. O verdadeiro sentido dessas festas é religioso, pois em junho a Igreja celebra Santo Antônio de Lisboa, dia 13, o Nascimento de São João Batista, dia 24, São Pedro e São Paulo, dia 29. A festa do Nascimento de São João Batista, o primeiro mártir cristão, foi instituída pela Igreja Católica no século IV e fixada seis meses antes do Natal, porque o Evangelho de Lucas indica que Jesus nasceu seis meses depois de João, o batista. No século VI, foi introduzida no calendário da Igreja a solenidade da Vigília da Natividade de São João Batista, celebrada, portanto, na noite do dia 23 de junho. A partir daí, espalhou-se entre os cristãos a tradição de comemorar o nascimento de São João sempre nessa data. A cultura popular na Europa, misturando orientações da Igreja e costumes pagãos recebidos da antiguidade, encarregou-se de adornar as festividades com fogueiras, danças e música, formas comuns de celebrar a chegada do verão no hemisfério norte, onde o solstício é no dia 21 de junho. Por aqui, hemisfério sul, estamos no inverno em junho, mesmo assim o costume de festejar São João ficou marcado entre o povo. Os portugueses trouxeram a tradição para o Brasil e ela encontrou solo fértil para crescer e se espalhar até se tornar uma celebração comum em todo o país, principalmente no interior, a ponto de ser identificada com a cultura caipira e com os hábitos de vida da zona rural.
Os paulistas que colonizaram o norte do Paraná e vieram para a Colônia Sertanópolis na segunda metade da década de 20 do século passado, conheciam e viviam a tradição de festejar São João. Era algo comum no interior de São Paulo desde muito tempo, costume arraigado naquela sociedade formada por plantadores de café, sitiantes, caipiras e também por aventureiros e pioneiros que avançavam para o oeste de São Paulo e entravam rumo sul, para o Paraná. Augusto Garcia de Souza, paulista da região do rio do Turvo, veio conhecer o norte do Paraná em 1925. Retornou para São Paulo e veio em definitivo para Sertanópolis com a esposa, Marieta Joaquina da Conceição, em 1926. Um ano depois, em 1927, chegava também sua mãe, Maria Procópia de Souza, dona da segunda casa de pensão instalada em Sertanópolis, a pensão da Procópia.
Dona Marieta contava o seguinte: em junho de 1927 a família e alguns hóspedes da pensão estavam reunidos no entardecer frio em frente à pensão, na altura do que é hoje o cruzamento das ruas Espírito Santo e Padre Jonas. Do outro lado da Taboca, Augusto, apesar da tarde adiantada, trabalhava ainda na sua derrubada, na subida do morro. Era o dia 23, quinta-feira. Para marcar a data, Augusto amontoou alguns troncos e acendeu uma fogueira. Do lado de cá, na porta da pensão, as pessoas se alegraram, recordando as festas de São João que conheciam desde a infância. Dona Marieta não se lembrava se tinham rezado nessa primeira vez, em 1927, talvez fizessem uma oração breve. Mas, segundo ela, a partir do ano seguinte a fogueira sempre foi acompanhada da reza do terço pedindo a interscessão de São João e da Virgem Maria para ajudar nas dificuldades da vida. Logo outros hábitos foram resgatados para essa ocasião, e a festa de São João foi se tornando tradição na chácara do Seu Augusto Procópio, água da Taboca, sempre com fogueira, terço, comida e quentão forte.
Augusto Procópio manteve esse costume durante quarenta e três anos, até 1970, quando morreu, pouco depois da festa de São João. Os preparativos começavam muito antes do dia 23, com a mula puxando pesados troncos pelo pasto e pela roça, juntando tudo na frente da casa, perto do terreirão. Erguia-se uma fogueira de três ou quatro metros de altura, para queimar a noite inteira. Dona Marieta, com ajuda das filhas, parentes e comadres, preparava latas e latas de doce de abóbora, de mamão, de cidra e laranja. Fazia fornadas de pão e biscoito, bolo de fubá, broa. Seu Augusto matava porco. No dia 23, ou mesmo antes, chegavam os amigos e parentes mais distantes que vinham com a família para estadia mais prolongada.
A noite do dia 23 de junho de 1970 estava fria e úmida, mas a festa foi animada. O Brasil tinha jogado a final da copa do Mundo no domingo e era tricampeão, a Jules Rimet era definitivamente nossa. Seu Augusto, muito fraco, rezou o terço com dificuldade, mantendo-se em pé com ajuda. Morreu logo depois, numa tarde de julho. Dona Marieta ficou, e manteve a tradição da festa. Depois que sua chácara foi vendida, morava com os filhos, mas sempre fez questão de ter a fogueira de São João na sua porta. Recortava bandeirinhas, mandava comprar o que fosse preciso, preparava a casa e convidava toda a vizinhança. Foi assim por mais trinta e três anos, mas, em janeiro de 2003, dona Marieta também nos deixou. A família, então, procura manter a tradição e continua a fazer o São João, provavelmente o mais antigo do norte do Paraná além Tibagi. Já se vão vinte anos que não temos dona Marieta, mas a festa é uma oportunidade de recordar o tempo em que ela se sentava embaixo da mangueira, na porta da sua casa, e contava como eram os São Joões de antigamente, os da chácara, com seu Augusto, e mesmo os mais antigos, do tempo em que era criança.
Neste ano de 2023 não foi diferente, mais uma vez as vozes recitando o rosário correram pelo vale da água da Taboca, hoje o nosso lago. A festa ficou menor, claro, os tempos são outros, mas a tradição se mantém: do terço com ladainha, fogueira queimando no quintal, vizinhança reunida, comida e quentão, hoje já não tão forte. Olhando a fogueira e sentindo o cheiro do gengibre, pensamos quanto tempo ainda vamos conseguir fazer nosso São João, quem vai continuar depois de nós. Uma coisa, porém, temos como meta: se Deus quiser e São João e a Virgem Maria intercederem por nós, vamos comemorar os cem anos dessa festa em 2027!
Com este quadro de São João a família recitou o terço por todos estes anos.