Jornal da Cidade

As incertezas e as lindezas do jogo do poder

Vidas em jogo. Sim senhor, esse seria um nome bem mais apropriado para um pleito eleitoral. De tempos em tempos, com hora e data marcada, a galera se reúne para fazer suas apostas quanto ao futuro da pólis. Em se falando nisso, lembro que, certa feita, Millôr Fernandes havia dito (escrito) que viver seria como desenhar sem borracha. Adoro essa frase do Millôr. Penso que não há analogia melhor que essa para meditarmos sobre nossas venturas e desventuras em série que são vividas por nós em nossa caminhada por esse mundão de Deus. Além dessa analogia, podemos também comparar a nossa vida – e um pleito eleitoral – com uma partida de xadrez. Aliás, essa comparação é profundamente apropriada, tendo em vista que o tabuleiro do referido jogo, com suas peças pretas e brancas, é uma Mandala tradicional e, enquanto tal, é um retrato simbólico da alma humana e das múltiplas possibilidades que são delineadas pelos dilemas e desafios que nos são apresentados pela vida, como bem nos ensina Titus Burckhardt. Na verdade, todos os jogos tradicionais são portadores de elementos simbólicos que nós, homens modernos, não apenas desconhecemos, como também desdenhamos. Enfim, voltemos à analogia com o jogo de xadrez. Em uma partida existem boleiras de possibilidades que podem ser realizadas. Repito: boleiras. Tudo depende da perspicácia e da perseverança de quem está jogando. Para se ter uma ideia da magnitude de uma partida de xadrez, a partir do quarto movimento que realizamos no tabuleiro, existem nada mais, nada menos, que trezentos e oitenta bilhões de jogadas possíveis. Não são centenas, nem milhares, nem milhões; são bilhões de possibilidades. Se esse número, amigo leitor, o impressionou, aí vai outro: após os dez primeiros movimentos, existem, numa partida de xadrez, aproximadamente 170.000.000.000.000.000 de movimentos possíveis. Esse sim, meu amigo, é um bagual de um número. Número que, diga-se de passagem, não temos como verificar e, para ser bem franco, a sua verificação não nos interessa muito não, porque sua precisão não é, de jeito-maneira, o “X” da questão. Só de pensar na enormidade desse número, nos dá uns sete tipos de medos diferentes, frente a quantidade de possibilidades que existe num mero jogo de tabuleiro. E se existe essa quantidade de caminhos que podem ser trilhados num jogo, pare, pense e calcule a quantidade de possibilidades que existem em nossa vida e que são ignoradas por nós. Calcule a quantidade de possibilidades que são desdenhadas por nós em uma eleição municipal. Pois é. Só em pensar nisso, já nos dá mais um tantão de medos diferentes. Seja como for, não temos como corrigir os erros e equívocos que cometemos no passado, mas temos, diante de nossos olhos, uma infinidade de possibilidades para podermos dar um novo rumo para à jornada. Sim, o que está feito, feito está. Mas o que está por ser realizado depende, inicialmente, do que iremos fazer a partir dos erros que ficaram para trás, e é justamente aí que a porca torce o rabo, e torce bonito, porque na maioria das vezes, ao invés de procurarmos ver os dilemas que a vida nos apresenta a partir de outras perspectivas, preferimos, por comodismo mental, nos apegarmos única e exclusivamente a apenas uma que, é claro, consideramos ser a única correta, porque, obviamente, desconsideramos todas as demais. E levando tudo isso em consideração, podemos dizer que há três atitudes caricatas que, muitas e muitas vezes, se fazem presentes no coração da gente quando estamos diante de um ano eleitoral. Algumas pessoas ficam pau da vida, querendo fazer uma revolução, uma quartelada, um contragolpe ou algo que o valha e, no frigir dos ovos, fazem muito barulho e nada realizam. Outras são tomadas por um áspero cinismo, e acabam afirmando para si mesma que nada tem cura e que o nosso único destino seria aguardar, passivamente, a vaca ir para o brejo. Por fim, teríamos aqueles que são tomados pelo desespero, imaginando que estamos próximos do fim, porque, no entender delas, não há nenhum Chapolin Colorado nas redondezas para nos defender. Ora, qualquer uma dessas atitudes é obtusa. Todas elas são, ao seu modo, fatalistas até o tutano e isso, meu caro Watson, não é algo que pode ser cultivado em nosso coração se, de fato, procuramos ser pessoas minimamente razoáveis que não vivem com a cabeça mamada com ideias, ideais e ideologias temerárias. Por fim, é preciso que nunca nos esqueçamos que, na vida política e nas lides da vida, existem tantos caminhos possíveis quanto num jogo de xadrez e, por isso mesmo, todos os erros e equívocos, por mais escabrosos que sejam, não são definitivos. Tudo depende da forma como encaramos o tabuleiro do jogo do poder e da vida e, principalmente, como procuramos corrigir o traçado do desenho da nossa vida, que estamos fazendo, dia após dia, com nossas escolhas vacilantes e decisões irrefletidas.