Sertanópolis

Especial pelos 89 anos de Sertanópolis

Pioneiro, de acordo com o dicionário, é aquele que está entre os primeiros a penetrar ou colonizar uma região, é um desbravador. O pioneiro pode ser também aquele que antecipa alguma coisa, uma pesquisa, um empreendimento. Para o nosso senso comum, pioneiro é o que vai na frente, e esse sentido tem relação direta com a origem da palavra, que vem do francês e designava aquele soldado a pé que abria caminho para a marcha do exército.
Todos os anos, quando se aproxima o aniversário da cidade, ressurge a necessidade de definir a história de Sertanópolis e relembrar nossos pioneiros, os primeiros soldados que abriram caminho para os outros. Agora não seria diferente, e o assunto brota pedindo novas elaborações. Há mais de quinze anos, mergulhei na aventura de escrever a história da minha família, de meus avós Augusto Garcia de Souza – ou Augusto Procópio, como era conhecido, por ser filho de Maria Procópia de Souza – e sua esposa Marieta Joaquina da Conceição. Ao pesquisar os poucos documentos disponíveis sobre a colonização de Sertanópolis, para situar na história a vida de meus maiores, deparei-me com a grande dificuldade de encontrar registros confiáveis sobre aquela época. Mas fui em frente, e embasado nas fontes que pesquisei, nos relatos que coletei e nas memórias que havia colecionado ao longo do tempo em que convivi com os mais velhos, acabei por tecer uma narrativa a qual procurei tornar tão próxima da realidade quanto possível. Ao terminar, percebi que havia escrito não só a história da minha família, mas também, e principalmente, a história de Sertanópolis.
A história que pude resgatar nessa pesquisa está registrada no livro “A Pensão da Procópia: Sertanópolis nos Tempos do Padre Jonas”. É claro que esse texto não esgota a questão da fundação de nossa cidade, mas pode ser um bom ponto de partida para entender um pouco nossa história. O texto traz muitos nomes, claro, de pioneiros, aqueles soldados a pé que por primeiro cortaram a floresta rumo à Colônia Sertanópolis. Por certo, nem todos os nossos pioneiros foram citados no livro, as fontes pesquisadas não davam conta da totalidade, afinal é bastante gente. Um detalhe, porém, ficou claro para mim no momento de traçar cronologicamente a linha de acontecimentos que compõem nossa história: pioneiros, realmente, foram aqueles que chegaram em Sertanópolis antes de 1931 ou, no máximo, até 1932. Daí em diante as coisas já estavam bem consolidadas e, apesar das dificuldades óbvias enfrentadas por quem vinha morar em Sertanópolis naquele tempo, quem chegou depois desse período já não podia ser considerado um soldado a pé abrindo caminho para o exército. Depois de 1932, o exército avançava a passos largos, os caminhos já estavam abertos.
Como incentivo à leitura desse livro, publicado em segunda edição em 2017, e pequena contribuição para comemorar mais um aniversário de Sertanópolis, deixo alguns trechos do prefácio escrito para a primeira edição em 2009 pelo historiador Sebastião Garcia de Souza, filho mais novo de Augusto “Procópio” Garcia de Souza. Parabéns Sertanópolis!

“Se fosse possível para alguém de hoje sobrevoar a região onde se passa esta narrativa histórica, mais precisamente o norte do Paraná nos idos da década de 1920, veria um vasto cobertor de floresta verde-escuro, cortado por rios maiores e muitos afluentes. Certamente ficaria encantado. Mas esse encanto seria pequeno se a mesma pessoa pudesse adentrar por sob esse dossel gigantesco, de milhares de quilômetros quadrados. Então iria se defrontar com uma réplica do paraíso bíblico. Animais e pássaros de espécies incontáveis. Árvores imensas e variadas, cedros, óleos, paus-d’alho, “o maior perobal do mundo”, nas palavras do francês Surjus. Suas águas puras repletas de vida, de peixes. No ar, o som das aves, das araras e periquitos, o piado das juritis, dos nambus, macucos… Nas margens do Tibagi, o som das belas corredeiras. Raros moradores brancos e muitos indígenas. Estes últimos, remanescentes de índios instalados em missões pelos jesuítas na vastidão da bacia do rio Paraná, desde o Paraguai, margeando o Paranapanema e o Tibagi.
Pois bem, é neste cenário de transformação que o autor derrama sua história. É a história de sua própria família, de seus bisavôs, avós, tios mais velhos. Alguns contemporâneos contaram-lhe parte dos fatos narrados. Outros fatos foram colhidos das fontes históricas: atas, decretos, bibliografia, entrevistas.
O que se passou na Colônia Sertanópolis, e que flui da encantadora narrativa do autor, pode ser atribuído a tantos outros colonos que atravessaram os rios Paranapanema e Tibagi tangidos pelo sonho de vida melhor, de posse de terras, de plantar café. A expansão capitalista chegara ao interior de São Paulo, encostara-se aos sertões do Paraná. Picadas e picadões furavam a bela floresta. Balsas cruzavam os rios maiores. Pontes sobre os menores. Por uma estrada de ferro avançavam monstruosas e baforentas locomotivas. Do outro lado do Atlântico, vinham companhias ávidas de lucro. O Estado do Paraná queria colonizar a selvagem região e arrecadar impostos. Concedia loteamentos.
Neste palco encantador, belo e selvagem, foi instalada a Colônia Sertanópolis. Meus ascendentes, a vovó Procópia, a tia Nega, o pai Augusto e a mãe Marieta, os irmãos mais velhos, revivem na bela escrita do autor, meu sobrinho, e vejo as origens deles na velha Minas Gerais, nos meados do século XIX, de onde partiram a pé, a cavalo e em carros de bois, primeiro para os sertões do interior paulista e dali para as terras do norte paranaense, além Paranapanema. Nas entrelinhas de cada página, vejo as sombras e as vozes de alguns dos colonos mais antigos que tive a oportunidade de conhecer pessoalmente, já idosos: Joaquim Felipe, o Seleiro, Dona Beata, Abes S. Din, João da Cruz, Manoel Rebelo, Manoel Gomes, Grogêncio de Matos, Bitu…
Entre tantos fatos significantes lançados ao livro, um em particular mais me impressionou. Trata-se do sino que badala, ainda hoje, na torre da Igreja de Sertanópolis. O autor informa que o bronze do qual foi construído tem origem em um antigo sino do aldeamento indígena de São Pedro de Alcântara, nas proximidades da antiga Jataí, não longe do rio Tibagi.
Quando menino de uns oito ou dez anos, entre os anos de 1952/54, presenciei um sino sendo erguido até o alto da torre da Igreja, a atual. Lá em cima, um homem rolava uma catraca. Amarrado a um cabo de aço, o sino subia. Agarrado a ele, outro pioneiro, Antônio Pescador, evitava, com a perna, que a peça de bronze, ao ser erguida, raspasse a torre.
Então, lembro as palavras do autor “o som do sino que alcançava os índios no fundo da mata densa e profunda continua ecoando na torre da matriz de Sertanópolis”.
Pois bem. O som brônzeo que chamava os índios do aldeamento de São Pedro de Alcântara, liderados pelo jesuíta Frei Thimoteo de Castelnuovo, derradeiro religioso e herdeiro dos históricos jesuítas das Missões, é, verdadeiramente, o mesmo som que chama, hoje, os fiéis para as solenidades religiosas. ”

Marieta Joaquina da Conceição e Augusto Garcia de Souza (Augusto Procópio), filhos e nora. No destaque, Maria Procópia.