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Tornozeleiras eletrônicas: Estamos realmente seguros?

Em um cenário onde a segurança pública depende cada vez mais da tecnologia, as tornozeleiras eletrônicas deveriam garantir o monitoramento efetivo de apenados fora do regime fechado. No entanto, documentos e relatos indicam que, longe de proporcionar controle preciso, o sistema tem apresentado falhas graves, especialmente no interior do estado do Paraná, que atualmente é a maior unidade penal virtual do país com 17 mil apenados com essa medida. Casos de localização inconsistente, registros errôneos e atrasos na fiscalização evidenciam um problema de grandes proporções.

Falhas na localização: onde estão os monitorados?
O monitoramento eletrônico funciona, em tese, por meio de sinais de GPS que informam em tempo real a posição do apenado. No entanto, diversos registros apontam que esses dados nem sempre são confiáveis. Em alguns casos, a tornozeleira indicava que o usuário estava em determinado local, quando na realidade ele se encontrava a quilômetros de distância, ou até mesmo apontando que o indivíduo estava em um local, quando na realidade não estava. Essa discrepância pode significar a diferença entre evitar ou não um novo crime, até mesmo retirar a liberdade de alguém que esteja cumprindo sua pena regularmente.
De acordo com dados do Portal da Transparência do Estado do Paraná, a empresa Show Monitoramento S/A foi a responsável pelo serviço até pelo menos maio de 2021, conforme demonstram pagamentos registrados, totalizando mais de R$ 1 milhão entre fevereiro e junho daquele ano. Apesar dos valores expressivos, a qualidade do monitoramento foi amplamente questionada, com relatos de que a localização e os horários dos apenados frequentemente não condiziam com a realidade.
“Havia casos em que um monitorado deveria estar em prisão domiciliar, mas os dados indicavam sua presença em um local diferente quando na verdade não estava, ou até mesmo sem movimentação por horas, o que poderia indicar remoção do equipamento ou falhas no sinal”, afirma uma fonte ligada ao sistema de segurança pública, que preferiu não se identificar.
Segundo um relatório oficial do Depen-PR, até dezembro de 2020, a empresa Show Monitoramento havia instalado apenas 115 tornozeleiras, quando o contrato previa milhares de dispositivos em funcionamento. O ofício nº 143/2020, emitido pela Central de Monitoração Eletrônica do Departamento Penitenciário do Estado do Paraná (DEPEN-PR) também aponta problemas como duração de bateria abaixo do especificado (menos de 12 horas em vez das 24 exigidas) e falsas indicações de violação de segurança, o que compromete a fiscalização real dos monitorados e a aplicação correta da pena.
A precisão do rastreamento é essencial para garantir o cumprimento de medidas restritivas, especialmente em casos de violência doméstica. No entanto, testes realizados por autoridades revelaram que algumas tornozeleiras demoravam horas ou até dias para atualizar a localização do usuário. Em um caso emblemático, apontado pela Revista Piauí, um equipamento indicava a presença de um monitorado em Gana, na África, quando na realidade ele estava no Paraná.
Interior do estado: um vácuo na fiscalização
Se nas grandes cidades a fiscalização já enfrenta dificuldades, a situação se agrava no interior do estado. Municípios menores não contam com equipes suficientes para acompanhar e agir rapidamente diante de falhas no sistema. Em algumas regiões, um único agente precisa monitorar dezenas de apenados, tornando inviável uma resposta eficiente a violações de rota ou rompimento de tornozeleiras.
Além disso, há relatos de que, em muitas situações, quando um agente verifica um alerta de violação e tenta localizar o apenado, o atraso no sistema impede uma ação imediata. “Recebemos notificações de deslocamentos que já aconteceram há horas, quando o ideal seria uma resposta quase instantânea”, revela um profissional que atua no acompanhamento dos monitorados e preferiu não se identificar.

Escrito por: Pedro Giulliano, Jornalista, DRT 0011262/PR, pedgiulliano@gmail.com