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Legislação sobre a corrupção no esporte no Brasil

A corrupção no esporte no Brasil é um tema que envolve uma série de questões legislativas e investigativas, que evoluíram significativamente ao longo do tempo. Antes de haver leis específicas sobre o tema, os casos de corrupção no esporte eram tratados com base no Código Penal e outras legislações correlatas, aplicando-se artigos como o 171 (estelionato), 317 e 333 (corrupção ativa ou passiva) e 288 (formação de quadrilha). Entretanto, a ausência de tipificação específica para corrupção esportiva gerava dificuldades para enquadrar e punir devidamente esses delitos. Com a promulgação do Estatuto do Torcedor em 2003 (Lei nº 10.671/2003), o cenário começou a mudar. Inicialmente, a legislação não previa crimes específicos relacionados à corrupção no esporte. Contudo, com as alterações introduzidas pela Lei nº 12.299/2010, surgiram artigos que passaram a criminalizar atos como solicitar, aceitar, dar ou prometer vantagem patrimonial ou não patrimonial para manipulação de resultados esportivos. Posteriormente, a Lei nº 13.155/2015 trouxe novos aprimoramentos, incluindo a expressão “evento a ela associado”, que ampliou o alcance da legislação para contemplar casos relacionados às apostas. Essa legislação estabeleceu um parâmetro normativo essencial para a punição dos casos de corrupção investigados na operação penalidade máxima. Conduzida pelo Ministério Público de Goiás, a operação, de alcance nacional, busca desarticular esquemas de manipulação de resultados no futebol brasileiro. Foram identificadas irregularidades em partidas do Campeonato Brasileiro das Séries A e B, além de campeonatos estaduais, envolvendo apostas esportivas realizadas por plataformas como Bet365 e Betano. Mais recentemente, a Lei nº 14.597, de 14 de junho de 2023, consolidou os avanços na legislação esportiva, tipificando os crimes contra a incerteza do resultado esportivo. Essa lei manteve a estrutura e as penalidades anteriores, mas garantiu maior sistematicidade na legislação, refletindo os impactos da chamada operação penalidade máxima [1]. Corrupção privada no esporte Na referida lei, foi prevista, pela primeira vez, a tipificação do crime de corrupção privada no esporte (artigo 165). A norma passou a criminalizar situações em que representantes de organizações esportivas privadas exigem, solicitam, aceitam ou recebem vantagem indevida para beneficiar a si mesmos ou a terceiros, bem como quando aceitam a promessa de tal vantagem para realizar ou omitir atos relacionados às suas funções. Da mesma forma, incorre na mesma pena quem oferece, promete, entrega ou paga vantagem indevida a esses representantes. A pena estipulada é de reclusão de dois a quatro anos, além de multa. Diferentemente dos demais casos de corrupção no âmbito esportivo, que configuram delitos de ação penal pública incondicionada, o crime de corrupção privada no esporte só pode ser apurado e processado mediante representação da organização esportiva titular dos direitos violados. Na ausência de previsão expressa em sentido contrário na Lei Geral do Esporte, aplica-se o disposto no artigo 38 do Código de Processo Penal, que estabelece o prazo de seis meses, a contar do conhecimento da identidade do autor do crime, para que seja apresentada a representação. A previsão expressa de penas menores em comparação aos demais casos de corrupção no âmbito esportivo, aliada à possibilidade de aplicação de acordos de não persecução penal (ANPP), resulta em um tratamento diferenciado para esse tipo de corrupção. Esse diferencial é ainda mais evidente, considerando que o início de qualquer apuração depende de representação formal da entidade lesada. Estatuto do Torcedor Não se pode esquecer que, antes da tipificação expressa do crime de corrupção privada no esporte (artigo 165), embora houvesse dificuldades relacionadas à tipicidade, buscava-se enquadrar essas condutas em outras previsões legais. Um exemplo são os crimes de corrupção relacionados à prática esportiva, anteriormente previstos nos artigos 41-C, 41-D e 41-E do Estatuto do Torcedor e atualmente nos artigos 198, 199 e 200 da Lei Geral do Esporte. Esses crimes podem ser apurados pelos órgãos de persecução criminal do Estado (Ministério Público e Polícia) sem a necessidade de representação da vítima. Frequentemente, a entidade vítima de atos de corrupção é composta por pessoas com interesses diretos na não apuração dos fatos, o que inviabiliza a responsabilização criminal e favorece a perpetuação das práticas ilícitas. Embora tenha havido avanços com a tipificação expressa do crime de corrupção privada no esporte e a consolidação de outras práticas delitivas no âmbito esportivo, ocorreu um retrocesso ao exigir que a apuração dessa modalidade de corrupção dependa de representação da entidade vítima. Além disso, a previsão de penas mais brandas em comparação aos demais casos de corrupção no esporte enfraquece a resposta penal. A integridade no esporte nacional é um bem de interesse público. Sendo assim, por que condicionar sua apuração à conveniência de uma entidade privada? Tal exigência parece contradizer a necessidade de uma proteção mais ampla e eficaz desse interesse público.